Nunca comentei aqui no meu blog sobre filmes que vi, mas dessa vez não posso deixar de fazê-lo.
Ainda mais quando se trata de cinema nacional, embora estejamos melhorando muito ultimamente.
Quer um filme para fazer pensar? Um filme que não só dá um show de interpretação de 2 grandes atores, mas também um dos melhores filmes que eu particularmente já vi na vida? - Assista TEMPOS DE PAZ. Não percam essa filme por nada desse mundo!!!
Stulbach faz Clausewitz, um polonês que vivenciou a Segunda Guerra Mundial, viu o que ninguém queria ver e agora só pensa em recomeçar sua vida no Brasil, longe o suficiente de tudo aquilo, com as mãos na enxada, trabalhando na lavoura. Mas ele chama atenção dos agentes da imigração quando chega ao país falando em um português bastante fluente e até mesmo recitando poemas de Carlos Drummond de Andrade. Não demora para ser mandado para os escuros calabouços do cais, onde conhece Segismundo (Ramos), ex-oficial da polícia de Getúlio Vargas, que está perdido nos seus afazeres agora que a guerra acabou e ele não precisa mais ficar procurando nazistas escondidos entre as pessoas que tentam entrar no Brasil.
Porém, Segismundo decide fazer do polonês o seu último caso e reluta em acreditar que ele é um agricultor como diz no seu visto. Suas mãos lisas, sua boa fluência na nossa língua, a ausência completa de bagagens e tamanha alegria não podem ser normais. Segismundo tenta conseguir uma propina, mas o imigrante não tem o que oferecer além de suas memórias, e aquelas atrocidades ele não quer trazer de volta à tona.
O oficial, então, faz uma aposta: se o polonês conseguir fazê-lo chorar, está liberado para se mudar de vez para o Brasil. Antes, porém, conta ao imigrante, com frieza ímpar (e ótimo momento de Tony Ramos), o que ele fazia como ex-torturador da polícia de Getúlio Vargas. E daí entra em cena o furacão Dan Stulbach. Se até então ele parecia ser uma versão do cinema nacional para o personagem de Tom Hanks em O Terminal (desculpem-me, mas é um paralelo impossível de escapar), começa o show. Em um monólogo ele transforma um filme regular em algo bom, digno de ser recomendado para os amigos. Se estivéssemos em um estádio de futebol, seria um gol de placa, daqueles que as pessoas comentam no dia seguinte, sobem no YouTube e assistem várias vezes ao longo de suas vidas.
O mérito de Daniel Filho nisso tudo? Vários. Enxergar na peça Novas Diretrizes em Tempo de Paz, de Bosco Brasil, interpretada pelos mesmos Tony Ramos e Dan Stulbach, uma história que poderia ser contada também no cinema. Filmá-la em apenas 10 dias e custando cerca de 1,5 milhão de reais. E desta vez vai ser mais difícil dizerem por aí que o filme tem cara de televisão. Porque ele tem corpo e alma é de teatro. Teatro bom, claro.
Dan Stulbach convive há muitos anos com Clauswitz. Ele primeiro ouviu do autor Bosco Brasil sua intenção de escrever a peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz. Incentivou-o a fazê-lo. Depois, criou o personagem, primeiro no palco, com Jairo Matos e, mais tarde, com Tony Ramos. Dan está agora no filme que estreia nesta sexta-feira, 14, "Tempos de Paz", dirigido por Daniel Filho. "Esta é um pouco a minha história porque sou filho de imigrantes poloneses e é muito a minha história por eu ser ator." Tony Ramos também destaca a importância da representação em Tempos de Paz. "Este filme é um belo tributo à arte do ator. Torço para que o público o entenda. Todo mundo sabe que eu gosto muito de fazer novela, teatro e cinema. Não discrimino nada. Outro dia fiz uma cena de Caminho das Índias sobre a qual os colegas ainda falam. Isso me emociona. Interpretar é dar vida aos mais variados personagens e eu gosto disso. Ser ator é uma profissão linda, mas exige dedicação, entrega, estudo, senão você é só uma celebridade que vai durar 48 horas e acabou."
Tempos de Paz estreou em Paulínia, encerrando o 2º Festival de Cinema. Com exceção de algumas externas, o filme passa-se todo em interiores, ou um interior - a sala para onde o imigrante polonês é levado para ser interrogado pelo chefe de polícia. Dan Stulbach versus Tony Ramos. O polonês, que se apresenta como agricultor, está fugindo da guerra na Europa e chega ao Brasil justamente neste dia em que o Estado Novo está começando a cair e a ditadura de Getúlio Vargas está soltando prisioneiros políticos. O personagem de Tony Ramos, Segismundo, está à espera de novas diretrizes para os tempos de paz, diante da inevitável derrota do nazi-fascismo. Mas Tony Ramos, um policial torturador, ainda tem o poder de definir se Dan ficará no Brasil ou terá de seguir adiante. Para isso, ele propõe ao outro um desafio. Dan terá de emocioná-lo, de arrancar-lhe lágrimas.
Como fazer isso com um homem tão brutal? Mas a verdade é que Dan, seu personagem, não era agricultor na Europa. Ele era ator e agora vai depender disso, de sua arte, para alcançar a sonhada nacionalidade brasileira, ou não. Daniel Filho não é apenas diretor e produtor (por meio da Lereby, que também produz seu novo filme, sobre Chico Xavier). Daniel interpreta um papel decisivo - o do médico que foi torturado por Tony Ramos e teve suas mãos arrancadas e/ou torcidas em intermináveis sessões de torturas. No palco, o personagem é apenas referido no texto, como o professor de filosofia na Polônia. Ele agora ganha presença cênica - e poderosa.
No estúdio, em Paulínia, quando o repórter visitou o set de "As Vidas de Chico Xavier", Daniel Filho contou que "Tempos de Paz" foi um filme feito com muito amor e carinho. "Trabalhamos muito abaixo do nosso preço, porque era um filme que queríamos fazer, que sentíamos que precisava ser feito." Para baratear custos, Tempos de Paz foi feito com tecnologia digital. É nela que Daniel Filho localiza o futuro do cinema. "É bom poder fazer filmes menores como produção, filmes com poucos personagens, em ambientes reduzidos. Não vou dizer que queira fazer somente esse tipo de filmes, porque não seria verdade. Cada história determina seu tamanho e formato e eu gosto de contar histórias, as mais variadas. Esse é o formato exigido por essa histórias e eu me orgulho muito do que fizemos."
Tony Ramos e Dan Stulbach tinham um conhecimento profundo do texto e isso ajudou, mesmo que Daniel Filho, trabalhando com o próprio Bosco Brasil como roteirista, tenha introduzido mudanças significativas. A maior mudança, Dan Stulbach, esclarece, foi de marcação. "Daniel é um diretor muito meticuloso. Ele trabalha com marcações muito precisas para a câmera e o ator. Você sabe, você já esteve num set do Daniel. Ele prepara a cena com diferentes posições da câmera, e lente. Testa o ator e, depois, quando filma, em geral o que vale é o primeiro take." O personagem do próprio Daniel teve suas mãos destruídas pelo de Tony Ramos. A grande cena de Dan, seu monólogo final, começa com uma exuberante gesticulação do ator. A câmera e, por meio dela, o olhar do espectador ficam ligados em Dan, na forma como ele move as mãos e apanha o público. "Isso é uma coisa que só o cinema pode fazer. No teatro, mesmo que a cena fosse exatamente a mesma, seria diferente."
Tony conta que, na TV ou no cinema, não se preocupa com a posição da câmera nem com a lente que está sendo usada. "Não é por desprezo. Tenho de ter uma ideia mínima, porque, se estou sendo filmado muito de perto, não posso exagerar. Mas a técnica que me ocupa é outra. Minha função é dar vida ao personagem. É construí-lo como ser humano. Em nenhum momento pensei que tinha de ser crítico em relação à sua violência e brutalidade. Humanizá-lo dá mais força quando ele desaba. Era difícil fazer isso todo dia no palco. Foi difícil no cinema, mas gratificante."
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